Uma casa e seus segredos: o Museu Mariano Procópio para crianças

por Carina Martins

 

Era uma vez o Museu de minha infância. Um lugar mágico, cercado por um parque exuberante e um lago com pedalinhos. A casinha de tijolinhos aparentes, conhecida como Villa, era meu lugar predileto. Acho que muitas famílias de Juiz de Fora têm as fotos com as crianças trepadas nos canhões que ficavam na área externa do prédio, perto do estacionamento.

Estranhamente, nunca fui ao Museu com minha escola mas, verdade seja dita, no “meu” querido Colégio Magister não tínhamos o hábito de sairmos de seus muros, só mesmo na imaginação. Ia ao Museu com minha família, algumas vezes também quando recebíamos visitas. Não era frequentadora assídua. Me sentia um pouco alheia, não era um pertencimento, um estar à vontade.

Na graduação em História, voltei ao Museu pela primeira vez como pesquisadora e na biblioteca me encantei com a Revista Ilustrada na busca por representações indígenas. Foi lá que conheci Eneida, uma historiadora de olhares atentos e brilhantes, que me abriu as portas para a riqueza do acervo. 

Posteriormente, decidi fazer no Mestrado em Projetos Sociais e Bens Culturais na FGV-RJ um material pedagógico para o Museu. Comecei a pesquisar as informações da Museologia e a visitar com mais frequência a instituição. Assim, foi nascendo o projeto “Uma casa e seus segredos”, com a nítida percepção que alguns deles não querem ser desvendados. Foi em conversas com as museólogas Angela e Maria das Graças que conheci também o Guia Histórico da Geralda Armond, que nunca foi publicado. No doutorado, mergulhei na gestão de Geralda por perceber seu desejo de eternidade acionado a partir da educação, o que me levou igualmente a descobrir tensões no projeto de memória do Museu. Interessante é que nessa busca veio uma descoberta familiar: minha avó materna, vejam bem, era muito íntima de Geralda, embora eu não tenha conhecido nenhuma das duas. Cruzamentos de existência.

Tinha vontade de escrever algo que aproximasse as crianças do Museu. Procurei conhecer outras produções no Brasil e no mundo e assim fui delineando estratégias de leitura e aprendizado. Eu tinha a vontade de produzir algo que mesclasse uma narrativa não ficcional dialógica, baseada nos pressupostos de Bakhtin e na percepção da renovação da palavra com a leitura. Também queria que o material servisse para o estímulo do pensar histórico, ainda que numa fase exploratória das fontes.

O excesso de ideias foi um problema, solucionado com a orientação experiente da minha querida Profa. Angela de Castro Gomes. Selecionamos em uma visita conjunta dez objetos para a exploração que seriam a base das pranchas pedagógicas. Preocupamos com a diversidade temática, a possibilidade de leitura a contrapelo da narrativa expográfica, a adequação à faixa etária e a disponibilidade de informações e fontes para a pesquisa complementar.

Na escrita das pranchas, foram surgindo ideias para exploração de habilidades distintas de aprendizado histórico, como comparação de temporalidades, de representações históricas e de multiperspectividade. O projeto gráfico, realizado com toda paciência e carinho, foi de minha irmã Juliana. Ela soube dar forma a uma ideia de ludicidade, de identificação visual das habilidades e também de um material de fácil portabilidade e uso. Surgiu assim o envelope amarelo cheio de interrogações com as pranchas soltas.

O livreto veio depois, como uma forma de historicizar aqueles fragmentos da coleção e aprofundar alguns debates museológicos. Era intenção conversar com os/as leitores/as, aproximar aquela instituição monumental de suas vivências e memórias, bem como explorar seus bastidores, o chamado “sertão do museu”, como bem denominou Mário Chagas.

O material foi defendido com uma banca notável formada pela minha orientadora, a Profa. Lilia Schwarcz, Profa. Lucia Lippi e Profa. Regina Abreu, com o auditório cheio de amigos/as e professores/as da FGV.

Banca de Mestrado, 2005. Foto: arquivo pessoal.

 

O convite para trabalhar como educadora do Museu Mariano Procópio surgiu desse trabalho e proporcionou a produção de outros materiais e roteiros pedagógicos, além da exploração deste com centenas de crianças durante as visitas e projetos especiais. Isso é pano para outra história.

Infelizmente, ele nunca foi impresso e distribuído, apesar da aprovação na Lei Estadual de Cultura de MG e todos os esforços da Direção de Mello Reis para capitanear patrocínio. Era um momento de muita transformação com a criação da Fundação Museu Mariano Procópio, projetos e obras no Parque. Em 2008, o Museu fechou para visitação e foi aberto de forma parcial muito posteriormente. Este ano comemora seu centenário em junho e não há muito motivo para comemorar, com suas portas fechadas. 

Curioso observar que o Museu, apesar do enorme esforço de Geralda Armond por quatro décadas, não tem seu guia pedagógico ou material educativo. Nesse sentido, ficou para trás do Museu Paulista, que já em 1936 tinha seu Guia, e do Museu Histórico Nacional, com o Catálogo de 1924 e Guia de 1955. Mesmo o Museu Imperial, muito mais recente, já em 1951 produziu o seu.  A percepção de que era preciso contar uma narrativa histórica palatável a um grande público ensejou a escrita de guias escritos pelos próprios diretores, o que demonstra sua importância.

Geralda dizia que  “(…) há nos Museus, como no de Mariano Procópio, um patrimônio coletivo, que é o substrato dos espíritos de uma civilização. São eles fontes eternas de ensinamento e cultura, de devoção à História da Pátria (…)”. Ainda que em um marco teórico bastante distinto da diretora, “Uma casa e seus segredos” também confiava na percepção de fontes eternas de ensinamento e cultura, desde que acionadas permanentemente por atos educativos que pudessem ler, ressignificar e atualizar cada fragmento dessa memória.

Fica então meu presente ao aniversário do Museu Mariano Procópio, com acesso gratuito desse esforço que já tem 16 anos e, portanto, traz também as marcas de seu tempo. Boa leitura! 

Não autorizamos a impressão do material para uso comercial, somente para uso pedagógico com devidas referências:
COSTA, Carina Martins Costa. Uma casa e seus segredos: a formação de olhares sobre o Museu Mariano Procópio. Rio de Janeiro: FGV-RJ, 2005. 

PARA SABER MAIS :
Sobre a produção do material pedagógico e concepções teórico-metodológicas: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/mosaico/article/view/62777

Trabalhos inspirados no material pedagógico: https://www.perspectivas2020.abeh.org.br/resources/anais/19/epeh2020/1605469097_ARQUIVO_67cb0c3eb2e75feeb84ea15f580ebace.pdf

[cite]

3 respostas para “Uma casa e seus segredos: o Museu Mariano Procópio para crianças”

  1. Avatar de Eduardo Passarella Freire
    Eduardo Passarella Freire

    Brilhante! Parabéns , Carina.

    1. Avatar de Exporvisões

      Obrigada Passarella!!! Fico feliz que tenha gostado!

  2. […] Louis Agassiz foi um viajante naturalista francês que esteve no Brasil entre 1865-1866, coordenando a Expedição Thayer. Foi professor de Harvard e em 1859 fundou o Museu de Zoologia Comparada. Descreveu mais de uma centena de peixes coletados por Spix e Martius na expedição ao Brasil. Posteriormente, ele mesmo viajou por Minas Gerais e esteve na Fazenda Fortaleza de Sant’Anna, onde fez um belo registro de sua monumentalidade em meados dos oitocentos. A Fazenda pertencia à mãe de Mariano Procópio, também uma colecionadora interessada, cujo neto, Alfredo Ferreira Lage, construiu o Museu em homenagem ao pai (ver essa história aqui). […]

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