As muitas faces da Catedral de São Sebastião do Rio de Janeiro

por William Bittar

A Praça Luís de Camões, localizada no bairro da Glória, na cidade do Rio de Janeiro, abriga a maior escultura dedicada a São Sebastião na capital fluminense, uma imagem de sete metros de altura, do artista Dante Croce. O monumento foi inaugurado em 1965, durante as festividades do quarto centenário no dia dedicado ao santo padroeiro.

Monumento a São Sebastião, Praça Luís de Camões, Glória. Reprodução do próprio autor.

O feriado do dia 20 de janeiro é consagrado a São Sebastião, o padroeiro da Cidade do Rio de Janeiro. No entanto, a data oficial da fundação pelos portugueses é 1º de março de 1565, que não é feriado, provocando muitas confusões na compreensão dos cariocas e afins.

Não há consenso entre os pesquisadores sobre o responsável pela escolha do orago, mas uma hipótese plausível é considerar uma opção conjunta de Estácio de Sá, o fundador, e o jesuíta José de Anchieta, conforme carta escrita ao padre Gonçalo de Oliveira, para homenagear o rei de Portugal D. Sebastião I, desaparecido na Batalha de Alcácer-Quibir, no Marrocos, em 1578, gerando a lenda de seu possível retorno para retomar a glória lusa. Alguns ainda acreditam que o rei está vagando pelos lençóis maranhenses, aguardando o momento certo para uma volta triunfal.

Outra lenda, dessa vez carioca, coloca São Sebastião junto aos portugueses e temiminós contra os invasores franceses aliados aos tamoios, em 20 de janeiro de 1567, empunhando uma espada na Batalha de Uruçumirim, guiando-os à vitória. No entanto, durante a luta, Estácio de Sá foi atingido por uma flecha, assim como o Santo padroeiro em seu martírio, morrendo alguns dias depois.

A data também é comemorada por religiões de matrizes africanas, como Umbanda ou Candomblé, num sincretismo com o orixá guerreiro Oxóssi, protetor das matas, nos terreiros do Rio de Janeiro.

Certamente a imagem de São Sebastião, soldado romano martirizado por não renunciar à sua fé, recebendo flechadas, foi associada a Oxóssi, que tem a flecha e o arco como seus símbolos. Além dos atributos de caçador, ele também conhece as folhas e ervas que auxiliam na cura de doenças e pestes, definindo o verde como sua cor, diferente do vermelho do Santo padroeiro.

Soberano das matas, caçador de uma única flecha, em alguns terreiros de Umbanda o orixá é o Chefe da Falange de Caboclos, entidades que representam a incorporação dos povos indígenas, aplicando passes, ensinando receitas, auxiliando na cura dos médiuns e frequentadores, associando rituais dos três principais povos formadores de nossa colonização, consolidando sua importância e popularidade na cultura religiosa brasileira.

Na cidade recém fundada na entrada da baía da Guanabara, foi implantada uma modesta capela de taipa, edificada na praia entre o Pão de Açúcar e o morro Cara de Cão. Após a expulsão dos invasores, uma nova igreja foi construída no Morro do Castelo, abrigando a primeira imagem do orago consagrada num pequeno templo de adobe, com três naves, que ali permaneceu por quase quatro séculos, recebendo muitas alterações até sua demolição na década de 1920, quando o morro foi arrasado.

Em 1583, foi reconstruída por Salvador de Sá, devido ao péssimo estado em que se encontrava e passou a abrigar as principais relíquias históricas da cidade como os restos mortais de seu fundador, um monolito que foi o marco de fundação e uma pequena imagem do padroeiro, trazida de Portugal.

A igreja de São Sebastião no morro do Castelo era uma edificação austera, de grossas paredes e fachada discreta, com predomínio de cheios sobre vazios, com algum parentesco formal com templos românicos portugueses.

Igreja de São Sebastião no Morro do Castelo. Reprodução de A. Malta, c. 1992.

Por quase um século abrigou a matriz da cidade, que recebeu seu bispado em 1676, instalando-se ali, por empréstimo, a primeira Sé, pois até as últimas décadas do século XX, a cidade do Rio de Janeiro e sua Arquidiocese não contaram com um edifício próprio para abrigar sua catedral.

Devido à sua implantação no alto do morro e a descida do casario para várzea, o acesso tornou-se difícil e em meados do século XVII, provisoriamente, as celebrações foram transferidas para a Igreja de São José, nas imediações do convento do Carmo, na Rua Direita, onde pouco durou, pois a Irmandade local não permitiu sua permanência.

Cerca de meio século após, a catedral instalou-se na Igreja da Santa Cruz dos Militares, na mesma rua, onde permaneceu poucos anos até sua transferência para a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, na rua da Vala (depois Uruguaiana), onde permaneceu até 1808. Este templo também abrigava a importante Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, responsável pela resistência e campanhas incessantes a favor do respeito e liberdade do povo preto. O edifício foi vítima de um incêndio em 1967, responsável por perdas irrecuperáveis em seu acervo e ornamentação.

Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. Reprodução de Thomas Ender, 1817.

 

Em 1747, devido ao seu caráter provisório, a diocese promoveu a escolha de um terreno para a construção definitiva do templo, localizado ao final da rua do Ouvidor, que passou a ser conhecido como Largo da Sé Nova (depois largo de São Francisco), que nunca recebeu o edifício religioso, mesmo contando com um projeto desenvolvido pelo arquiteto húngaro Carlos Mardel e o lançamento da pedra fundamental, promovido pelo governador da capitania, Gomes Freire de Andrade, em 1749. O edifício não saiu das fundações, alegando dificuldades econômicas, levando à paralisação das obras.

Conta a tradição que as muitas pedras remanescentes no local foram aproveitadas para as obras do Teatro Real São João, construído logo após a chegada da Família Real, em terreno ao lado, inspirado no Teatro São Carlos de Lisboa.

A população considerou a atitude uma heresia, atribuindo como castigo dos céus os incêndios que o teatro sofreu ao longo do século XIX.

No local do templo foi construída a Academia Militar, em 1826, obra atribuída ao arquiteto francês Pierre Pézerat, edifício adaptado para receber a Escola Politécnica e posteriormente o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ.

Com a chegada de D. João em 1808, o Convento do Carmo foi desocupado para abrigar a Família, junto ao Paço, interligando os edifícios com um passadiço sobre a rua Direita. A igreja conventual de Nossa Senhora do Carmo foi elevada à condição de Capela Real e Catedral, devolvendo a Igreja do Rosário à Irmandade.

Este templo, com sua nova fachada neoclássica e sua única torre sineira lateral, foi cenário para as principais manifestações do período real e imperial, como a coroação e aclamação de D. João VI como Rei, em 1816; aclamação de D. Pedro I, Imperador do Brasil, em 1822; casamento de D. Pedro I e D. Amélia de Leuchteberg, em 1829; sagração de D. Pedro II, em 1841 e seu casamento com D. Teresa Cristina, em 1843.

Internamente, o tempo preservou a rica ornamentação rococó setecentista, com elementos dourados aplicados sobre fundo branco e um altar-mor com a santa padroeira e uma tela pintada por Debret, que por muito tempo ficou oculta do público.

Igreja do Carmo e da Ordem Terceira, antes das reformas republicanas. Reprodução de Torres, c. 1900 – Brasiliana Fotográfica.

Enquanto isso, em 1842, a antiga igreja de São Sebastião do morro do Castelo foi entregue aos cuidados dos frades capuchinhos até sua demolição, durante o arrasamento do morro na década de 1920.

Para abrigar o novo templo, em 1931 foi construída a igreja de São Sebastião dos Capuchinhos na Tijuca, à rua Haddock Lobo, elevada a paróquia em janeiro de 1947, que acolheu as relíquias do templo primitivo, com projeto do arquiteto Ricardo Buffa, inspirado na arquitetura bizantina.

Igreja São Sebastião dos Capuchinhos. Bilhete Postal

A República elegeu a Catedral, na rua Primeiro de Março, como sede da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, desde 1892, e uma grande imagem do padroeiro foi incluída num nicho, no centro da fachada principal, além de outras modificações implementadas externamente.

A antiga torre, atarracada, foi substituída por um torreão de quase 60 metros de altura, coroada por uma imagem metálica de Nossa Senhora da Conceição. A fachada neoclássica imperial recebeu novo revestimento e muitos ornamentos, com influência do ecletismo, mas a igreja da Ordem Terceira do Carmo, vizinha imediata, manteve sua fachada e interiores originais.

Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé e Ordem Terceira do Carmo. Reprodução do autor.

A cidade continuava sem um edifício projetado exclusivamente para sua catedral, o que só ocorreu na década de 1960 quando o governo do antigo Estado da Guanabara cedeu um grande terreno na esplanada de Santo Antônio onde, em 20 de janeiro de 1964, D. Jaime Câmara, Arcebispo do Rio, lançou a pedra fundamental do novo templo.

O projeto foi idealizado pelo arquiteto Edgar de Oliveira Fonseca, também autor da igreja de São José da Lagoa, que apresentou um sugestivo memorial justificativo para o partido adotado, alegando inspiração nos templos da antiguidade e seu caráter ascensional, dirigindo pensamento e orações aos céus. Uma cruz grega, disposta na laje de cobertura, prolonga-se nas fachadas em quatro vitrais que abraçam os fiéis reunidos em assembleia no grande salão curvilíneo.

A planta circular, com cerca de 100 metros de diâmetro, atendia às novas premissas apresentadas no Concílio Vaticano II, convocado pelo Papa João XXIII, que autorizava uma nova concepção para as naves e para a própria liturgia. O círculo, diferente das igrejas-salões anteriores, representava a igualdade de todos diante do divino.

Externamente, adotou um tronco de cone, com 75 metros de altura, construído em concreto aparente escalonado, vazado, permitindo a inserção de quatro vitrais coloridos monumentais do piso à cobertura.

Em dezembro de 1972, o Cardeal Eugenio Salles celebrou a Missa de Natal no canteiro de obras da nova catedral, implantada junto aos edifícios das grandes estatais construídos na Esplanada de Santo Antônio.

No final de 1976, após mais de quatro séculos, a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro assistia à transferência da Catedral para seu edifício próprio, conforme noticiava a imprensa, mesmo diante de um forte temporal que entrou pela noite daquele 21 de novembro.

 

 

 

Catedral de São Sebastião do Rio de Janeiro. Reprodução do autor.

Enfim, o culto ao padroeiro São Sebastião encontrava sua casa própria e definitiva, consolidando um percurso religioso com a igreja dos frades capuchinhos, na Tijuca, ilustres guardiões dessa histórica trajetória.

Por todo o dia 20 de janeiro, no caminho para igrejas dedicadas ao santo, ou mesmo nas procissões, ainda é possível encontrar muitos devotos com alguma peça vermelha no vestuário. Homens, mulheres, crianças, muitas destas trajadas de cetim vermelho, numa representação estilizada da imagem mais conhecida do padroeiro, enquanto adultos levam suas velas, palmas e rosas, também vermelhas, ex-votos pelas graças alcançadas ou simplesmente homenageiam São Sebastião ou Oxóssi, segundo as crenças de cada devoto em sua religião.

Salve São Sebastião! Padroeiro da Cidade do Rio de Janeiro!

Okê, Oxóssi! Protetor das matas e florestas!

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Para saber mais:

https://igrejadoscapuchinhos.org.br/a-igreja/

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