por Aline Montenegro Magalhães
Memento Park é o seu nome. Foi idealizado pelo arquiteto Ákos Eleõd e inaugurado em 1993, para abrigar e expor os monumentos erguidos em Budapeste durante o período de ocupação da União Soviética na Hungria, entre 1945 e 1990, após libertação do país do domínio nazista alemão, que ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial.
Com a queda da cortina de ferro e o desmantelamento do socialismo, no Leste Europeu como um todo e na Hungria em particular, houve quem desejasse a destruição de todos os símbolos soviéticos. Defendia-se a demolição e fundição das estátuas. Entretanto, valorizando as características artísticas e documentais dos monumentos, afinal, eram considerados parte da história do país, optou-se pela retirada das homenagens do espaço público urbano e seu deslocamento para um lugar especialmente projetado para musealizá-los.
O acesso ao parque se dá por um imenso portal, sustentado por colunas monumentais, que reproduz a grandiosidade da arquitetura realista socialista, todo em tijolinhos. Somos recepcionados, à esquerda, por Lênin e, à direita, pela dupla Marx e Engels. Entretanto, o que seria a entrada principal pelo portal está sempre fechada, nos fazendo acessar o parque por um portão, à esquerda.
Ao transpormos o portal, atravessamos um corredor com altos muros, ao final do qual se avista o parque das esculturas. O passeio deve ser feito por um caminho formado por círculos entrelaçados, que compõem vários números oito deitados, simbolizando o infinito. Ao centro do parque, uma estrela de flores vermelhas rodeada por um círculo gramado. No seu entorno, as linhas curvas por onde passamos e admiramos estátuas e grupos escultóricos exageradamente grandes, assim como placas comemorativas, posicionadas ao longo desse percurso.
Nas palavras do arquiteto que o projetou, compreendemos o caráter pedagógico do lugar. “Este parque não é a crítica das estátuas, ou dos escultores, mas sim, a crítica da ideologia que usa as estátuas como símbolos de poder”. Nesse sentido, a proposta é que os monumentos sejam estudados como documentos da história nacional e também da história da arte, o que seria inviabilizado, caso a ideia inicial de total destruição fosse levada adiante, o que Eleõd comparou a uma “queima de livros”. Outro aspecto sublinhado é que não se trata sobre o comunismo, mas sim, sobre a queda do comunismo, o que é feito com a liberdade impensável no passado ali representado.
Além do circuito ao ar livre, há uma galeria para mostras temporárias. Quando fomos, em agosto de 2016, estava em cartaz uma exposição sobre a Revolução Húngara de 1956. Foi nessa ocasião que uma multidão, insatisfeita com o governo autoritário socialista, pôs abaixo a estátua de Stálin, deixando intacto, apenas, o par de botas do monumento. Uma réplica desse vestígio ocupava o centro da sala. O original está fora do parque, exposto como uma espécie de “troféu”. Até porque é o único fragmento da ação espontânea da população contra o regime, enquanto os demais foram retirados do espaço urbano e deslocados para lá, pelo governo, após 1991.
São essas botas que se avista de longe, quando chegamos ao final do circuito ao ar livre e tomamos o caminho de volta à entrada, para sair do parque. Parecem emolduradas pelo portão de entrada fechado e pelo portal monumental.
O parque simboliza a morte de um passado traumático que se transformou em objeto de estudo para a história. Mas, como em um cemitério, há quem o visite para cultuar os mortos e respirar os ares de um tempo idealizado. E a atmosfera nostálgica é alimentada tanto pela exposição de um carro modelo Trabant, quanto pelos “souvenirs” vendidos na lojinha, que evocam os anos 1950, 60 e 70. Olha só a canequinha que trouxemos de lá, símbolo de um sonho transformado em pesadelo.
Para saber mais:
- ÁKOS, Réthly. A la sombra de las botas de Stalin. Guía de visita al Parque Memento. Budapeste: Premier Press, 2010.
- Página do Memento Parque http://www.mementopark.hu/?Lang=en
Leia também da série “Memórias em disputa, monumentos em litígio”: “Ciranda dos monumentos em Buenos Aires” por Aline Montenegro e Francis Picarelli “Monumentos e insurreição popular: põe no museu ou deixa quebrar” por Fernanda Castro “Por uma ciranda sem degolas e esquartejamentos” por Márcio Magalhães de Andrade “Estátuas em transe: iconoclasmo e assimetrias na produção da história” por Marcelo Abreu.
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